quarta-feira, 26 de maio de 2010
Vivemos o fim da era dos super-DJs
A não ser que você tenha passado o ano de 2009 em Marte ou isolado numa montanha remota sem acesso a um mísero radinho de pilha, a música I Gotta Feeling com certeza martelou nos seus ouvidos – mesmo sem o seu consentimento. Com base eletrônica e letra alto-astral, este foi o grande hit radiofônico do ano passado e lançou o francês David Guetta ao mais alto escalão da música pop – ao lado do grupo Black Eyed Peas, com quem o DJ dividiu a produção.
Com jeitão de trilha sonora de verão sem-fim, I Gotta Feeling entrou para a história como a faixa mais baixada legalmente de todos os tempos – foram vendidos mais de 5,5 milhões de cópias digitais da dita cuja.
Com isso, David Guetta garfou informalmente o título de DJ mais pop do universo e ganhou cartão de acesso para o time dos artistas mais badalados do planeta. Só imagino que, ao chegar à sala VIP dos reis das paradas de sucesso, Guetta não tenha encontrado outros colegas DJs.
O francês, que começou sua carreira nos anos 80, é remanescente da era dos “superstar DJs” que soube se transmutar com excelência no papel de produtor musical para se dar bem.
Em vez de insistir em se manter no púlpito de rei da noite, cumprindo a função mais óbvia de um DJ, que é tocar, Guetta acertou, pelo menos comercialmente, em mirar a carreira para o ponto mais extremo da música pop, juntando-se a nomes bombados do R&B americano como Ne-Yo, Kelly Rowland, Akon.
Trocando em miúdos, Guetta é um retrato do que aconteceu com o mercado da música eletrônica: cresceu tanto que teve de se transformar para não morrer.
A década de 90 viu a escalada dos DJs ao patamar de super-heróis. Era como se ao colocar seus fones de ouvidos e tocar a agulha em seus vinis superpoderosos, eles pudessem transformar qualquer evento pé de chinelo num oásis de modernidade. No Brasil, houve até marca de cerveja demitindo seus garotos-propaganda sertanejos para investir em festa de techno!
Empresas viram nos DJs aquele elã “aspiracional” (para usar um termo bem publicitário) que a guitarra ostentava nos anos 80. Tratados como estrelas de rock, DJs como Fatboy Slim, Tiësto, Sasha, Paul Oakenfold e Carl Cox entenderam o poder que tinham sobre as multidões e adotaram a postura de ídolos dignos de lotar estádios.
Com festivais bancados por altos patrocínios, megaclubes cada vez mais numerosos, rádios inteiras dedicadas às suas mixagens, os anos 90 inflaram os egos dos DJs até a sua capacidade máxima. Diante disso, muito moleque trocou o sonho da primeira guitarra por um par de toca-discos.
Até que vieram os anos 2000 com suas bandas de rock dançante, que ajudaram a estourar a bolha irreal em que viviam esses DJs. Grupos como LCD Soundsystem, Rapture, Radio 4 e Hot Chip, entre outros, mostraram que aqueles caras na cabine de som não eram os únicos capazes de dominar uma pista de dança.
A megalomania do culto ao DJ começou a cansar e as marcas, sempre atentas às suas “plataformas jovens”, passaram a desacelerar seus investimentos em eventos de música eletrônica. Aquela imagem do DJ estrela, rodeado de puxa-sacos e mulheres bonitas (muito bem retratada no excelente livro Superstar DJs: Here We Go, do inglês radicado no Brasil Dom Phillips), de repente virou out.
David Guetta estava lá quando isso aconteceu. E foi buscar outras formas de se manter por cima da carne-seca. Encontrou na produção o seu toque de Midas e se deu muito bem.
Outro DJ que soube se renovar foi Fatboy Slim. O inglês, que no Brasil chegou a reunir quase 200 mil pessoas numa apresentação gratuita na Praia do Flamengo (RJ), em 2004, abraçou novos desafios, como o disco Here Lies Love, lançado no mês passado em parceria com o eterno Talking Head David Byrne.
O veterano Sasha também se recusou a ficar vivendo de lembranças dos anos 90. Em seu disco mais recente, Invol2ver, de 2008, foi buscar artistas como Ladytron, Telefon Telaviv e até Thom Yorke (Radiohead) para ajudá-lo a encontrar um som novo. Não reinventou a pólvora, mas saiu do lugar, com certeza.
Mas há aqueles que ainda insistem no esquemão anos 90. O holandês Tiësto, para mim, é o melhor exemplo de profissional que parece ter sido congelado na era dos “superstar DJs”. Ele sabe que arrasta fãs por onde passa e prefere não mexer no time que está ganhando. Seu trance pretensioso com validade vencida tem a cara de uma era que já passou, mas ainda engana estômagos desavisados.
Claro que a febre do “todo mundo é DJ” também ajuda a deixar as pessoas com um pé atrás sobre quem tem talento de verdade. Nesse cenário, caras espertos como David Guetta vão curtindo o privilégio de representar os DJs no mais alto escalão da música pop. Só espero que ele não fique lá sozinho por muito tempo.
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